Com o 
afastamento de Dilma, Michel Temer, do PMDB, assumiu a Presidência 
interinamente. A petista pode ficar afastada por até 180 dias para que o
 Senado realize o julgamento definitivo sobre seu mandato.
Nesse 
momento marcado pelo fim de um importante ciclo político para o país, a 
BBC Brasil procurou especialistas e levantou indicadores internacionais 
para entender o legado dos 13 anos de governo de PT. Afinal, no que 
avançamos - e no que retrocedemos ou ficamos estagnados?
Abaixo,
 listamos seis índices-chave que ajudam a explicar como o Brasil de hoje
 pode ser comparado a outros países e ao Brasil de 13 anos atrás:
Em
 2002, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking global de economias 
medido pelo PIB em dólar, segundo dados do Banco Mundial e FMI. Chegou a
 ser o 6º em 2011, desbancando a Grã-Bretanha, mas voltou a cair.
Hoje,
 é a 9ª maior economia do mundo de acordo com esse indicador, que sofre 
grande influência do câmbio - e, portanto, foi bastante afetado pela 
desvalorização do real.
Se considerarmos o PIB medido por Paridade
 de Poder de Compra (PPP), que procura, justamente, neutralizar esse 
efeito do câmbio, temos que o Brasil ocupou a 7ª e 8ª posição no ranking
 ao longo dos últimos anos.
Em 2003, subimos para a 7ª posição, 
ultrapassando a França. Em 2008, fomos ultrapassados pela Rússia. E em 
2011 voltamos para a 7ª posição com a queda da Grã-Bretanha.
"No 
caso do PIB, o que comprometeu o resultado dos anos do PT no poder foi 
de fato a gestão Dilma - e em especial seu segundo mandato", diz 
Alessandra Ribeiro, economista da Consultoria Tendências.
Ela diz que, em função do crescimento do governo 
Lula (o país chegou a crescer 7,5% em 2010), nos últimos 13 anos a média
 de expansão do PIB foi de 2,9%, contra 2,5% da média do governo 
Fernando Henrique Cardoso.
Colocando "na conta" do governo Dilma a
 recessão deste ano (consultorias esperam uma retração do PIB de 4% em 
2016), a média cairia para 2,4%, ainda próxima do crescimento de FHC.
Ribeiro atribui essa desaceleração brusca em parte à má gestão, 
ao suposto fracasso da política econômica de Dilma e ao que vê como um 
excesso de intervencionismo estatal na administração petista, além da 
falta de reformas estruturais que poderiam melhorar o ambiente para 
negócios no Brasil.
Ela ressalta, porém, que, o contexto 
internacional também ficou menos favorável e que a crise política e a 
Lava Jato também tiveram um impacto negativo grande na economia.
João
 Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria 
Eurasia Group, concorda. "Na economia, a Dilma pegou um avião em piloto 
automático e em um céu de brigadeiro. Quando veio a tempestade, ficou 
claro que não sabia pilotar", diz.
Para Neves, os erros que 
derrubaram o PIB nos últimos anos - culminando em uma das mais graves 
recessões da história do país - começaram no segundo mandato de Lula.
"O
 Estado começou a gastar mais para fazer uma política anticíclica 
(tentar manter os investimentos e o consumo em níveis altos), mas isso 
saiu do controle. Agora precisaremos provavelmente de uma década para 
recuperar o que foi perdido com a recessão do governo Dilma."
2. IDH e combate a pobreza
A
 nota do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que era de 
0,649 no início dos anos 2000, chegou a 0,755 hoje, o que indica uma 
melhora.
A pesquisa considera indicadores como a esperança de vida
 ao nascer, a expectativa de anos de estudo e a renda per capita. Como 
resultado, cada país recebe uma nota que vai de 0 a 1.
No relatório da ONU de 2015 sobre o índice, o Bolsa
 Família é retratado como uma espécie de modelo de programa social 
bem-sucedido. "Desde que o programa foi lançado, 5 milhões de 
brasileiros deixaram a extrema pobreza. E por volta de 2009 o programa 
havia reduzido a taxa de pobreza em 8 pontos percentuais."
Também é
 destacado o aumento da escolaridade no país e avanços no combate a 
miséria, o que vai ao encontro da avaliação de especialistas consultados
 pela BBC Brasil, que veem nas políticas sociais o maior legado positivo
 dos 13 anos do PT no poder no Brasil.
Angel
 Melguizo, chefe da unidade de América Latina e Caribe do Centro de 
Desenvolvimento da OCDE, por exemplo, destaca que nos últimos anos os 
índices de pobreza brasileiros caíram pela metade com a emergência de 
uma nova classe média.
Ele admite que parte desse contingente pode
 ter seus ganhos ameaçados pelo aumento do desemprego e recessão 
econômica, mas faz uma ressalva relativamente otimista: "Dados do 
Banco Mundial que mencionaremos em nosso próximo relatório indicam que 
43% dessa nova classe média brasileira seria o que chamamos de classe 
média consolidada, que tem trabalho formal, proteção social e mais 
condições de se proteger da crise. E que apenas 38% seria parte da 
classe média vulnerável, que pode voltar para a pobreza. O índice do 
Brasil é melhor que em outros países da região", afirma.
Para 
Otaviano Canuto, diretor-executivo para o Brasil no FMI, "políticas 
sociais para potencializar mudanças estruturais" são de fato "um grande 
legado" dos governos do PT.
Canuto defende, porém, que "há hoje 
necessidade de passar a limpo, ver relação entre custo e resultado do 
leque de políticas sociais que estão embutidas no orçamento". "Aquelas 
como Bolsa Família, que são demonstradas como eficazes e a baixo custo, 
devem ser intocáveis", opina.
3. Gini - Desigualdade
Outro
 indicador que também teve uma melhora foi o da desigualdade. O 
coeficiente Gini do Brasil, nos cálculos do Banco Mundial, passou de 
58,6, em 2002, para 52,9, em 2013 (último dado disponível).
O Gini é um indicador que mede desigualdade de renda e vai de 0 a 100 (0 representa total igualdade).
Em
 2014, um relatório da ONU sobre o tema também registrou uma queda 
significativa da desigualdade no Brasil na última década, com o Gini 
passando, nos cálculos das Nações Unidas, de 54,2 para 45,9.
Na época, a ONU destacou o efeito sobre a 
desigualdade do aumento real do salário mínimo - de 80% entre 2003 e 
2010 - e dos esforços para a formalização do mercado de trabalho 
brasileiro, além dos programas de transferência de renda, como o Bolsa 
Família.
O economista Diego Sánchez-Ancochea, diretor do Centro de
 Estudos Latino-Americanos (LAC) da Universidade de Oxford, especialista
 em desigualdade, cita, como exemplo desses esforços de formalização do 
mercado, iniciativas como a Proposta de Emenda Constitucional sobre os 
trabalhadores domésticos.
"Já houve momentos em que a economia 
brasileira cresceu com um aumento da desigualdade, como nos anos 60 e 
início dos 70. Na época, o crescimento favoreceu os mais ricos e a alta 
classe média", diz Sánchez-Ancochea.
"Isso mostra que mesmo com o 
boom das commodities impulsionando a economia brasileira, a trajetória 
dos índices de desigualdade no país poderia ter sido diferente não 
fossem essas políticas adotadas (durante o governo do PT). O legado (do 
partido) nessa área é grande."
O economista de Oxford diz ser 
difícil prever o que vai acontecer daqui para frente, mas não descarta 
retrocessos nesse indicador. "Isso vai depender das políticas adotadas 
pelo novo governo, que chega prometendo fazer ajustes e cortes de 
gastos."
4. Percepção de corrupção
Em
 2002, o Brasil ocupava a 45ª posição do ranking de percepção da 
corrupção da Transparência Internacional (TI), que incluía análises de 
102 países. Em 2015, passamos para o 76º lugar entre 168 países - o que 
parece indicar estagnação.
O coordenador do Programa Brasil da TI 
Bruno Brandão diz, porém, que os índices dos dois anos não são 
comparáveis por que, além do número de países analisados, a metodologia 
da pesquisa também mudou em 2012.
"E desde 2012, nossos 
indicadores para o Brasil permaneceram relativamente estáveis, com a 
exceção de 2015, quando tivemos um aumento muito grande da percepção de 
corrupção que levou o país a cair do 69º ao 76º lugar no ranking, 
principalmente como efeito da Lava Jato", diz Brandão.
Segundo o 
coordenador da TI, a percepção da organização é de que o país avançou no
 combate à corrupção desde 2002 - embora a maior parte desse "avanço" 
não tenha ocorrido por mérito do governo.
"É complicado dizer se a corrupção ficou menor ou 
maior porque a corrupção é um fenômeno oculto - a única que aparece é a 
que foi pega. Mas para nós o que interessa é se há mais combate ao 
problema - e nesse ponto parece que o Brasil está de fato avançando", 
opina.
"Tivemos uma evolução institucional grande e um aumento da 
sociedade. Hoje temos a lei contra a lavagem de dinheiro, a lei 
anticorrupção, a da ficha limpa, de acesso a informação e etc. 
Instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal e o próprio 
sistema judiciário também têm demonstrado grande autonomia."
O 
governo Dilma, na avaliação de Brandão, teria sido marcado por um certo 
"pudor republicano" que favoreceu o combate a corrupção em alguma 
medida, embora em algumas ocasiões esse pudor possa ter sido abandonado 
(por exemplo, se forem comprovadas as tentativas do governo de 
interferir na Lava Jato, como denunciou o ex-líder do governo no Senado 
Delcídio do Amaral).
Ele
 lembra o caso da Malásia, onde o procurador-geral foi destituído após 
um escândalo de corrupção envolvendo o primeiro-ministro.
"No 
Brasil, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, foi reconduzido 
ao cargo em meio à Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal também tem 
agido com autonomia, apesar de muitos de seus membros terem sido 
indicados pelo PT - enquanto na Venezuela, por exemplo, essa corte mais 
parece um escritório de advogados do presidente (Nicolás Maduro)."
Já
 para Neves, do Eurasia Group, dizer que o governo do PT "deixou que se 
investigasse" a corrupção na Petrobras é "papo furado".
"Concordo 
que é difícil dizer se a corrupção caiu ou cresceu no governo PT. Mas é 
relevante o fato de o escândalo da Lava Jato ser o maior escândalo de 
corrupção da história brasileira", opina. "Também chama a atenção a 
maneira coordenada e sistematizada com que o esquema foi montado na 
estatal."
5. PISA - Educação
Em
 2000, primeiro ano em que o Brasil fez parte do Programa Internacional 
de Avaliação de Alunos (PISA), da OCDE (a organização dos países ricos),
 o país ficou em último lugar entre 32 nações.
O programa tem como
 objetivo avaliar e comparar o resultado de sistemas educacionais no 
mundo por meio de uma série de testes aplicados a estudantes.
No último relatório, publicado no final de 2013, 
agora com dados de 65 países (alguns ricos, como Japão, Suíça e 
Alemanha, o Brasil ocupou a posição 55 no ranking de leitura, 58 no de 
matemática e 59 no de ciências. Ou seja, comparativamente avançou em 
relação ao 2000, ainda que pouco.
Para Melguizo, da OECD, porém, é
 natural que a melhora tenha sido lenta porque a grande conquista do 
país nos últimos anos foi na questão da "cobertura do sistema", ou seja,
 no acesso à escola e universidades.
"Esse era um processo 
necessário. Falta agora avançar na questão da qualidade do ensino e 
também na educação para o trabalho. Mas não acho que devemos ver essa 
melhora lenta com pessimismo", diz ele."Na questão da cobertura o avanço
 foi significativo."
Castro Neves, do Eurasia Group concorda: 
"Considero a expansão do acesso a educação como parte do legado social 
positivo (dos anos de governo do PT), embora certamente falte melhorar a
 questão da qualidade."
6. Ambiente para negócios
A
 questão do ambiente para os negócios é outra área em que os 
especialistas veem certa estagnação como saldo dos 13 anos do governo 
petista - com deterioração na gestão Dilma.
Alguns índices internacionais parecem corroborar 
essa percepção. Em 2002, o país ficou no 46º lugar entre 80 países no 
ranking de competitividade global calculado pelo World Economic Forum 
(WEF), que considera dados sobre as condições de se fazer negócio pelo 
mundo.
Em 2015, ocupou a 75ª posição entre 140 países, após cair 
18 posições em um ano em função de problemas como o aumento da pressão 
inflacionária, a alta da percepção de corrupção e a deterioração da 
confiança em instituições. Foi a pior classificação do país desde que o 
índice de competitividade global foi criado, nos anos 90.
O 
relatório de 2015 do WEF destaca, porém, o avanço do Brasil na questão 
do transporte aéreo e infraestrutura, apesar de esse ainda ser 
considerado um dos gargalos da economia brasileira. E cita o grande 
mercado consumidor do país como um dos fatores que ainda o torna 
atrativo para investidores.
"Nesses 13 anos - e principalmente nos
 anos de bonança econômica - o governo poderia ter aproveitado para 
fazer reformas estruturais, melhorar a questão tributária, reduzir a 
burocracia (para se fazer negócios no Brasil) e etc. Mas perdeu-se essa 
oportunidade", diz Neves. "Hoje também parece claro que as 
políticas de campeões nacionais (conduzida pelo BNDES, que selecionou 
companhias para ajudar a torná-las mais competitivas globalmente, com 
créditos subsidiados e compra de participações acionárias) não foram uma
 boa ideia - criaram um ambiente de negócios em que era o governo quem 
escolhia perdedores e vencedores e, para se beneficiar, era preciso 
gritar mais alto."
Para Ribeiro, da Tendências, o ambiente para 
negócios piorou principalmente a partir de 2011. "Tivemos muitas 
mudanças nas regras do jogo, mais impostos para uns, subsídios para 
outros e tentativas do governo de intervir em determinados setores que 
não deram certo, como no setor elétrico", diz.