Reportagem revela um dos motivos para que o presidente tenha pressionado Moro pela troca do comando na Polícia Federal
Por Cleber Lourenço
A reportagem deste sábado (25) do The Intercept Brasil revelou que o filho de Jair Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. É o que mostram documentos sigilosos aos quais o portal teve acesso.
O andamento dessas investigações é um dos motivos para que o
presidente tenha pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do
comando da Polícia Federal no Rio, que também investiga o caso, em
Brasília.
Antes de começarmos, recomendo que leia minha coluna do ano passado onde falo sobre os 16 anos de Bolsonaro com as milicias.
Vamos ao que importa. Para que tudo faça sentido, precisamos focar no
discurso destrambelhado do presidente que foi feito nesta sexta-feira
(24) em replica ao discurso de Sergio Moro. Aqui, já pegamos algo
interessante: Bolsonaro admitiu que pediu troca da PF no Rio por caso
Marielle.
O começo do discurso não trazia grandes novidades quanto à loucura do
presidente. Contudo, acabou virando uma tentativa desesperada de
desvencilhar-se dos mais de 16 anos de elogios e aproximações com
milícias e milicianos.
O desespero começou aqui: “Será que é interferir na Polícia Federal
quase que exigir, implorar a Sergio Moro, que apure quem mandou matar
Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do
que com seu chefe Supremo”. E continuou: “Cobrei muito deles isso daí.
Não interferi. Eu acho que todas as pessoas de bem no Brasil querem
saber. Entendo, me desculpe senhor ex-ministro: entre meu caso e o da
Marielle, o meu está muito menos difícil de solucionar”.
O que o
presidente diz não fez sentido, se ele queria tanto respostas sobre o caso
Adélio Bispo, por qual motivo a defesa do
presidente não recorreu contra decisão que absolveu o agressor?
Foi quando ele mencionou o caso das gravações do porteiro: “Será que é
pedir à Polícia Federal, quase implorar, via ministros, que fosse
apurado o caso Marielle, no caso porteiro da minha casa 58, na avenida
Lúcio Costa, 3100?”
A coisa fica pior ainda quando lembramos que o MP carioca desmentiu o tal do porteiro que incluiu Bolsonaro no caso Marielle sem perícia o computador onde estavam os arquivos.
Além disso, a planilha de acesso ao condomínio só se tornou alvo da
investigação em outubro, quando peritos conseguiram acessar dados do
celular de Lessa. O aparelho foi apreendido em março, no dia da prisão,
mas estava bloqueado por senhas.
Ao conseguir desbloquear o celular, os investigadores notaram que a
mulher de Lessa enviou em janeiro para o marido uma foto da planilha de
entrada do condomínio que indicava acesso à casa 58, que é a casa de
Jair Bolsonaro. Para piorar, o porteiro que liberou a entrada do
miliciano não era o mesmo que prestou depoimento.
Em nenhum momento Moro ligou Bolsonaro a milícias em sua despedida.
Então, por qual motivo o presidente se desesperou em comentar todos os
episódios que envolvem as milícias e sua família? Acha que estou
exagerando? Confira a íntegra do discurso do ministro.
No final de 2019, Bolsonaro agiu de forma semelhante ao afirmar, do
nada, o seguinte: “Vocês sabem o caso do Witzel, foi amplamente
divulgado aí, inteligência levantou, já foi gravado conversa entre dois
marginais citando meu nome para dizer que eu sou miliciano. Armaram”.
E mais! Quem seria essa “inteligência” que Bolsonaro menciona, a
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)? O Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República (GSI)? Fiz todas estas perguntas em uma coluna na ocasião.
Uma semana antes Bolsonaro já havia falado sobre a mesma coisa, algo que também pontuei: “No caso Marielle, outras acusações virão. Armações, vocês sabem de quem”.
A horda
bolsonarista ficou em pânico por dias e o Palácio do Planalto também. Bolsonaro e
apoiadores tentaram tirar o foco de tudo com uma história sobre um câncer de
pele do presidente.
É agora que pegamos o pulo do gato! Bolsonaro sancionou uma lei que dispensa o Habite-se,
documento obrigatório para escrituração de imóveis. A nova lei permite
que famílias situadas em áreas de baixa renda registrem seus imóveis sem
a apresentação da certidão do Habite-se.
Morte encomendada
Em dezembro de 2018, o general Richard Nunes, que era secretário da
Segurança Pública do Rio, afirmou que a morte de Marielle estava
encomendada desde 2017. Segundo palavras do general: “Milícia matou
Marielle pela ocupação de terras”.
Agora, em uma confluência de coincidências, o The Intercept Brasil revelou
que a investigação do Ministério Público carioca aponta que Flávio se
beneficiava das ocupações de terras e construções de edifícios pelas
milícias.
Reforço! A
matéria apontou que a rachadinha no gabinete estava financiando a ocupação e
construção ilegal pelas milícias, segundo o MP.
A
investigação mostra que a mãe e a mulher de Adriano movimentaram ao menos R$
1,1 milhão no período analisado em paralelo com a rachadinha por meio de contas
bancárias e repasses em dinheiro a empresas, entre elas, uma loja de material
de construção
Adriano da
Nóbrega e dois outros oficiais da PM integrantes do grupo – o tenente
reformado, Maurício da Silva Costa, e o major Ronald Paulo Alves Pereira –
usaram, segundo os promotores, nomes de moradores de Rio das Pedras para
registrar as construtoras na junta comercial do Rio.
Sabe quem é Ronald Paulo Alves Pereira? Suspeito de envolvimento no
assassinato de Marielle Franco. Para onde ia o dinheiro segundo a
investigação? Para a milícia acusada de organizar e planejar a morte da
vereadora.
Dados do
inquérito que o The Intercept teve acesso comprovam que Adriano, Costa e Ronald
Pereira eram os “donos ocultos” das construtoras ConstruRioMZ, São Felipe
Construção Civil e São Jorge Construção Civil. As três empresas foram registradas
na junta comercial no segundo semestre de 2018.
Tanto Adriano quanto Ronald foram condecorados por Flávio Bolsonaro. Isso quando já estavam sendo acusados de envolvimento em uma chacina. Segundo um ex-colega de cela do miliciano morto Adriano Magalhães, Flávio era um visitante costumaz da carceragem.
Um outro ponto que chama a atenção nesse caso todo é a morte do miliciano Adriano Magalhães.
Eduardo esteve em Salvador no mesmo final de semana em que o
miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega foi morto em uma operação da
polícia na cidade de Esplanada, na região rural do Estado da Bahia, que
está a cerca de quatro horas de distância da capital Salvador.
Eduardo inclusive suspendeu, dias antes, na mesma sexta-feira, sua
agenda pela região Nordeste, conforme um vídeo divulgado para seus
apoiadores. Se você ainda não acha que a revelação do Intercept foi
grave, tenho uma péssima noticia: perdemos a noção de gravidade nesse
país.
Tudo que foi publicado hoje é grave. Infelizmente, temos um
presidente que comete barbaridades diariamente e banalizou isso.
Entendam. Diferente dos apoiadores de Jair Bolsonaro, eu jamais irei
trabalhar com a presunção de culpa, são todos inocentes até que se prove
o contrário. Porém, o que mais me incomoda nisso tudo são as
“coincidências”.
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